PROGRAMAS DE PREVIDÊNCIA PRIVADA E INSTITUTOS OBRIGATÓRIOS

 

Arthur Bragança de Vasconcellos Weintraub
Professor da Unifesp
Bárbara Berbert Baer Viana
Mestranda pela Unifesp
 Dan Rodrigues Levy
Professor da Unifesp
Thales Lemos
Atuário graduado na USP 
 
Artigo recebido em 5/10/2013 - Aprovado em 13/10/2013
 
RESUMO: Alguns aspectos do Direito Previdenciário acarretam limitações na liberdade contratual. Por outro lado, existem liberalidades que podem ser acordadas entre as partes (patrocinador e participante, v.g.) de uma forma autônoma em relação à Previdência Social. O paralelo entre a Previdência Privada e a Previdência Social também serve de referência para tratamento diferenciado entre participantes, da mesma forma que ocorre tratamento diferenciado entre segurados do INSS. Neste contexto são abordadas questões técnicas do campo previdenciário que avaliam o tratamento jurídico dos participantes e dos patrocinadores em torno da dicotomia contratual e institucional da Previdência Privada.
PALAVRAS-CHAVE: Aspectos Contratual e Institucional; Participante e Patrocinador; Programas de Previdência Privada.

 

ABSTRACT: Certain aspects of Pension Law entail limitations on freedom to contract. On the other hand, there are liberalities which can be settled between the parties (sponsor and participant, v.g.) in an autonomous form in relation to Social Security. The comparison among Private Pension and Social Security gives rise to a frame of reference onto the specific treatment as to participants in a similar usage that occurs in Social Security. Within such ambit retirement and pension technical matters are evaluated which assess the legal approach of participants and sponsors concerning the contractual and institutional duality of the Private Pension System.

KEYWORDS: Contractual and Institutional Aspects; Participant and Sponsor; Private Pension Programs.

 

 

Introdução e Conceitos

           A Lei Complementar nº 109, em seu artigo 16, determina que os planos previdenciários privados devem ser peremptoriamente oferecidos a todos os empregados das patrocinadoras. Caso não seja, perde-se o caráter previdencial do plano. Isso não significa que todos os empregados devem ingressar no plano. O § 9º do artigo 28 da Lei nº 8.212/91 elenca, exauridamente, as hipóteses de isenção da contribuição social (previdenciária) incidente sobre a folha (art. 22 da Lei nº 8.212/91). Prevê, na alínea p que não incide (isenção) contribuição social sobre os valores aportados pela empresa a programa de previdência complementar (privada) de seus trabalhadores – empregados e diretores –, desde que esse programa seja oferecido a todos. Segue-se o mesmo raciocínio da Lei Complementar nº 109.

            Deixa, porém, a alínea p de conceituar, para o âmbito da isenção, o significado da expressão “programa de previdência complementar”. A Lei Complementar nº 109/01 não trata do significado dessa expressão, sequer mencionando-a nos seus dispositivos (trata apenas de “plano” sendo oferecido a todos os empregados). O ordenamento passado também se silenciava quanto ao conceito de “programa de previdência complementar”, desconhecendo, semelhantemente à Lei Complementar nº 109/01, a amplitude semântica do algoritmo.

            Resta à conceituação do termo – programa de previdência complementar – a utilização de técnicas de hermenêutica. Antes de adentrar-se ao cenário das ponderações metodológicas, faz-se mister a comparação semântica entre os termos: “plano de Previdência Privada” e “programa de previdência complementar”. A primeira vista, tais expressões aparentam-se sinônimas, consubstanciadas no sistema individualizado (específico) formal de proteção subsidiária (privada).

            Esses termos, aparentemente sinônimos, têm, diversamente, significados distintos. O programa se caracteriza pela complexidade estrutural, compreendendo um ou mais planos previdenciários. É estrutura sobremaneira complexa, que visa adequar a política previdencial à isonomia proporcional, garantindo proteção específica ante a desigualdade da massa protegida. O programa de Previdência Privada pode ser composto por um único plano, desde que atenda todas as necessidades específicas. Não havendo essa possibilidade, seja por questões materiais ou formais, novos planos são aglutinados ao programa, tornando a proteção substancial e específica.

            Diante desse entendimento, seria lícita à isenção a contratação de planos para cada categoria de trabalhador? Análise comezinha da legislação poderia levar à resposta positiva. Todavia, consubstancia elemento material do plano – institucional – que ele esteja aberto a todos os trabalhadores da empresa patrocinada. O programa é um conjunto de planos; estes, por sua vez, são sistemas de proteção abertos a todos os empregados.

            Todos os planos previstos no programa, destarte, devem ser oferecidos a todos. Caso haja dentro do programa um plano restrito à determinada categoria, esse plano não goza de natureza previdencial, ante a afronta expressa ao artigo 16 da Lei Complementar nº 109/01.

            Não obstante, não há impedimento de diferenciação de categoria de empregados dentro de um mesmo plano.

 

I. Plano previdenciário X conjunto de planos

            O conjunto de planos previdenciários, dentro de um mesmo cenário empresa/empregado, pode ser entendido como um programa de Previdência Privada. Várias alternativas protetivas/contributivas são abertas à escolha do participante. Cada plano, contudo, é autônomo, não se misturando aos outros que compõem o programa. Essa autonomia evidencia-se pela forma, pois cada plano previdenciário é regido por regulamento próprio.

            O plano pode estabelecer direitos e deveres reservados à determinada categoria de participantes, sem que haja infração à regra da isonomia. Isso, também, não importa dizer que há dissimulação de um programa em um plano singular. A estrutura do plano tem o dever de especificar as contribuições em face das peculiaridades dos contribuintes, buscando dentro da racionalidade finalística a proteção supletiva plena.

            Não se pode admitir um programa (conjunto de planos) com planos discriminatórios no âmbito da filiação. É ilícita a criação de um programa constituído de vários planos, cujas filiações estão restritas à determinada parcela dos trabalhadores, ou seja, o plano A para os empregados; o plano B para os executivos. Admite-se, noutro vértice, a criação de um plano universal, onde há, diante da isonomia, benefícios B para os empregados, e benefícios B1 para os executivos, pois a universalidade é pressuposto de validade do plano.

            Se uma empresa, vg, patrocina dois planos previdenciários, ambos os planos devem estar abertos a todos os trabalhadores, empregados e executivos (não se faz obrigatório o ingresso de todos nos planos, bastando o oferecimento). As regras para um e para outro, contudo, não precisam ser absolutamente iguais; devem, pelo contrário, obedecer a certa proporcionalidade. Tal característica pode ensejar planejamento do programa previdenciário, baseado na criação de regras restritivas ao acesso de determinada categoria ao plano P; e regras vantajosas ao plano P1. Essa assertiva de tratamento previdenciário diferenciado se corrobora no próprio Regime Geral – INSS – onde existem estamentos contributivos e de benefícios, e no princípio previdenciário privado da manutenção da qualidade de vida do segurado/participante.

            A utilização correta e ponderada do princípio da isonomia pode ensejar planejamento previdenciário privado, possibilitando o direcionamento dos trabalhadores aos diversos planos patrocinados, obedecendo aos interesses de RH da patrocinadora.

Tomemos como exemplo a seguinte situação: Empresa A patrocina dos planos P e P1. Interessa à patrocinadora que os empregados E filiem-se ao plano P, e os executivos E1 ao plano P1. Esse interesse pode ser efetivado na redação das regras de custeio, estabelecendo no P1 regras que satisfaçam as condições específicas do executivos, sendo restritivas (não atrativas) aos empregados. Trata-se de direcionamento tangencial de participantes. É uma política interna de RH da empresa para fixação de colaboradores nos quadros corporativos.

            Tal planejamento pode se dar no âmbito do programa, ou do plano propriamente dito, haja vista que inexiste vedação legal à atribuição de regras diferenciadas para participantes diferenciados.

 

II. Equilíbrio financeiro e atuarial

            Os sistemas previdenciários brasileiros regem-se pelo princípio do equilíbrio econômico-financeiro e atuarial[1]. As receitas auferidas pelos regimes previdenciários (planos) devem ser suficientes à satisfação das despesas previdenciárias, consubstanciadas na concessão e manutenção das prestações.

            Inconstitucional, destarte, são as regras que promovem o déficit ou superávit do sistema. Incorrendo tais situações, fazem-se necessárias medidas normativas ou administrativas ao saneamento do vício. O déficit pressupõe elevação de contribuições dos sujeitos da relação jurídica[2], e o superávit a redução dos aportes[3].

            O ordenamento jurídico brasileiro prevê vários instrumentos para coibir o desequilíbrio dos sistemas. Na seara contextual, o sistema se utiliza da regra da contrapartida, constitucionalmente prevista no § 9º[4] do artigo 195. O regime previdenciário social, além da regra da contrapartida, aproveita-se do instituto da carência, legalmente conceituado como o mínimo de contribuições necessárias à fruição da prestação[5].

            A carência é instrumento eficaz no âmbito da Previdência Social, pois o regime geral se vale da repartição simples (pay as you go system). O caráter social desse regime impõe solidariedade contributiva, aproveitando os aportes presentes para custear as prestações dos aposentados[6]. Logo, um mínimo de contribuições (carência) é imprescindível ao equilíbrio, e a manutenção da solidariedade contributiva.

            A Previdência Privada, ante a variedade de regimes financeiros adotados[7], protege o equilíbrio do plano através de vários institutos. No mister dos planos previdenciários que visam à concessão de prestações programadas e continuadas, contudo, o equilíbrio é resguardado pelo próprio regime financeiro adotado, pois, nesse caso, o § 1º[8] do artigo 18 da Lei Complementar nº 109/01 determina que o regime adotado é o de capitalização.

            No regime de capitalização (funding), os sujeitos (participante e patrocinadores) aportam contribuições a um fundo(s) específico, destinado(s) exclusivamente ao custeio de sua prestação. O participante, através de extratos, tem conhecimento do montante que compõe seu fundo, podendo acompanhar sua valorização[9]. Esse regime, por si só, garante a estabilidade do sistema, pois os benefícios serão custeados pelos depósitos capitalizados.

            A segurança financeira do regime de capitalização é reforçada pela adoção da modalidade de contribuição definida. Nessa espécie o participante desconhece previamente o valor de seu benefício. As contribuições são apuradas mediante uma projeção teórica de um benefício futuro. Tal método, aliado ao regime financeiro de capitalização, blinda o sistema de eventuais desequilíbrios, haja vista que as despesas serão apuradas previamente a partir do montante capitalizado que compõe a poupança previdenciária do participante.

            A escolha do método para evitar o desequilíbrio financeiro do sistema previdenciário pressupõe, portanto, o conhecimento de sua conjuntura. Sistema que adotam a filiação obrigatória, e o regime de capitalização, a regra da contrapartida c/c a previsão de carência é o melhor método para se evitar déficits ou superávits do sistema. Regimes, por sua vez, regidos pela contribuição definida, facultatividade de filiação e regime de capitalização são protegidos por suas próprias características, que vinculam diretamente as despesas (benefícios) às receitas (fundo capitalizado).

            A existência de carência, nessa seara, seria, como método de preservação do equilíbrio econômico-financeiro e atuarial, desnecessária, irracional e desproporcional.

 

III. Natureza jurídica

            Carência, do latim vulgar carentia, significa: falta, ausência, privação. Em acepção jurídica, o termo é usualmente relacionado à falta de direito ou à falta de ação, entendendo-se, por elas, e na ordem do enunciado, não ter o sujeito o direito subjetivo por ele afirmado, e não ter ele ação para demandar o que pede. Em suma, juridicamente concebida, a palavra carência expressa não ter direito e/ou ação o interessado que o alega. Diz-se que o sujeito é carente, pois, quando ausente titularidade de direitos.

            O direito subjetivo nasce da incidência. O processo de subsunção enseja a determinado sujeito faculdades jurídicas. Nesse momento, a pessoa, natural ou jurídica (situações jurídicas), adquire o status de titular de direitos, os quais podem ser exercidos, dentro dos limites objetivos, ao seu arbítrio. A carência é antecedente à incidência. Age como fator impeditivo à aquisição do direito subjetivo, não obstante a ocorrência do fato gerador. Não é aspecto temporal, mas critério material, que age no núcleo da hipótese obliterando a incidência jurídica completa.

            No cenário previdencial, a carência tem várias utilidades. A principal, contudo, consiste na manutenção do equilíbrio financeiro e atuarial, nos sistemas regidos pela repartição simples. Ela se apresenta “como mínimo de contribuições necessárias à fruição do benefício”, consubstanciando-se em requisito a ser rompido à satisfação da prestação. Não fosse ela, talvez os sistemas quedariam deficitários, pois, admitir-se-ia a concessão de prestação ao contingenciado que jamais contribuiu ao sistema (devedor).

            Na Previdência Privada, a carência se apresenta como pressuposto à aquisição de direitos inerentes à qualidade de participante.

 

IV. Técnica de manutenção de aportes

 

1. Tributação regressiva

            Os aportes e rendimento obtidos com a Previdência Privada são tributados, na renda, de duas formas: (i) progressiva; (ii) regressiva. A progressividade, modelo original, adota a sistemática ordinária do Imposto de Renda. O tributo incide quando da obtenção do benefício ou efetivação do resgate. Naquele caso, a incidência é progressiva, obedecendo a capacidade contributiva. Quanto maior a grandeza – benefício – mais elevada será a alíquota (isento, 15% ou 27,5%). A efetivação do resgate, nesse regime tributário, enseja relação única, cuja exação recai em 15% do valor resgatado.

            O regime regressivo, idealizado para fomentar a Previdência Privada, abandona a capacidade contributiva, aproximando-se da cultura previdenciária. O valor da alíquota, nesse caso, não está conectado à base-de-cálculo, porém ao período de diferimento. Quanto maior for o prazo de acumulação dos recursos – cultura previdenciária – mais baixa será a alíquota incidente. Tal situação é facilmente compreendida a partir da análise da tabela de regressividade, prevista originalmente na Lei nº 11.05/04:

Período de aportes

Alíquota do IR

Até 2 anos

35%

De 2 a 4 anos

30%

De 4 a 6 anos

25%

De 6 a 8 anos

20%

De 8 a 10 anos

15%

Mais de 10 anos

10%

            O prazo de acumulação dos recursos é contado individualmente, parcela a parcela. Não se pode, portanto, confundir o prazo de acumulação com a data de ingresso no plano previdenciário.

            Para o cômputo do prazo de acumulação, é utilizado, conforme orientação da Secretaria da Receita Federal, o critério contábil de avaliação de estoques, denominado PEPS (primeiro que entra, primeiro que sai). Assim, no caso dos benefícios será considerada a média ponderada do prazo de acumulação em relação aos valores acumulados, de tal forma, que os depósitos iniciais sejam os primeiros a serem pagos, beneficiando-se de alíquotas mais favoráveis (artigo 1º, § 3, da Lei 11.053/04).

            Esse modelo tributário tem dupla finalidade previdencial. A primeira consiste em beneficiar, tributariamente (EXTRAFISCALIDADE), os participantes que se utilizam da Previdência Privada não como um investimento, mas como uma forma de proteção social. A segunda, de caráter proibitivo, visa impedir que pessoas se utilizem do sistema previdenciário como forma de investimento (desnaturando o escopo do aporte), tributando sobremaneira aqueles que resgatam antes da eleição à prestação contratada.

 

V.  Razoabilidade na fixação da carência no resgate

 

1. Princípio da flexibilidade - Resgate

            O brasileiro sofre de miopia previdenciária. Não planeja seu futuro. Não é previdente. Essa constatação foi objeto da conclusão do estudo elaborado por Lawrence Thompson[10]. Para sanar essa deficiência cultural foram desenvolvidas, sistematicamente, políticas na seara da Seguridade Social. A Previdência Privada restou fomentada, através de alterações legislativas[11] que promoveram a segurança, a transparência e a flexibilidade nas relações jurídicas então inexistentes.

            A flexibilidade é característica essencial ao sistema de Previdência Privada. Isso porque permite a mobilidade dos valores em nome do participante, em face da alteração de seu status quo. Várias são as contingências sociais, fenômenos reais que impõem ao trabalhador a perda substancial de seu labor[12]. Nem todas, todavia, foram juridicizadas, pois através do princípio da seletividade, as partes (ou legislador) elegem, axiomaticamente, dentre as inúmeras hipóteses, aquelas que vão gerar a proteção previdenciária[13].

            O princípio constitucional da flexibilidade restou efetivado pela Lei Complementar nº 109/01 através dos institutos do resgate, portabilidade, vesting e autopatrocínio. Esses quatro institutos, obrigatórios a todos os planos, sejam eles posteriores ou anteriores à Lei Complementar nº 109/01, flexibilizaram a relação jurídica, possibilitando ao participante mobilidade no âmbito do sistema previdenciário privado.

            O resgate possibilita ao participante a rescisão unilateral do vínculo previdencial. É instituto que flexibiliza a facultatividade do sistema, estabelecendo forma antagônica à filiação (contratação). A vontade, manifestada na faculdade, é o elemento que gera a filiação; e poderá, também, ser o elemento que desvincula o participante do sistema. O resgate, consubstanciado em direito de todo o participante, configura-se na forma do exercício da vontade em rescindir o pacto facultativamente firmado.

            Pode ser visto, também, como prestação (direito subjetivo) protetiva de contingências não positivadas. Há situações (contingências) que fogem ao regulamento do plano, não concedendo prestação alguma. O resgate, constituindo-se direito vinculado à vontade, é instrumento que a Previdência Privada concede aos seus sujeitos para a proteção pecuniária de riscos não previstos no contrato. Se porventura for materializada determinada contingência não positivada (contratada), o participante desvincula-se do plano, sanando o infortúnio com a poupança amealhada ao longo dos anos.

            A vinculação do resgate com contingências não positivadas é inexorável. O direito americano prevê planos (Roth) que isentam a tributação sobre o resgate, quando materializada situação de necessidade presumida, não obstante a ausência de tipificação dessa situação fenomênica como jurídica.

            Portanto, tem-se o resgate como instrumento da flexibilidade, bem como meio pelo qual o participante pode sanar eventual contingência não prevista no pacto previdenciário.

 

2. Inconstitucionalidade da previsão da carência no resgate      

            A dinâmica piramidal reconhecida por Kelsen hierarquiza, em juízo de validade, as normas jurídicas. O topo formal do sistema é ocupado pela Constituição Federal, que estabelece regras e princípios estruturais e materiais que devem ser observadas pelas normas hierarquicamente inferiores. Havendo conflito de forma ou de conteúdo, a norma inferior é afastada do sistema, deixando de produzir efeitos jurídicos.

            O conflito não precisa ser direto e formal. Admite-se como justificativa à invalidade, infração tangencial e axiológica. O controle da discricionariedade dá-se com o instrumento hermenêutico da razoabilidade, que impõe ao legislador (executivo ou legislativo) proporcionalidade, adequação e necessidade.

            A carência, no mister do resgate, teria única finalidade, ou seja, impedir o resgate antecipado, forçando o participante a se manter no sistema previdencial. O fim, inexoravelmente, é válido, pois a Previdência Privada não pode ser concebida como forma de investimento, mas como instituto da Seguridade Social. O meio, porém, é demasiado inadequado e desproporcional, ferindo de forma direta o princípio da flexibilidade.

            O fim almejado pela carência é alcançado pelo regime regressivo de tributação. Tal situação torna o resgate antecipado restritivo, inviabilizando a pretensão daqueles que almejam lucros com a Previdência Privada. Esse instrumento é sobremaneira proporcional, pois não impede o exercício do direito, deveras importante em certas situações; agindo como elemento proibitivo àqueles que adentram ao sistema entendo-o como fundo de investimentos.

            A previsão da carência para resgate, ante a existência do regime de regressivo de tributação (IR), é redundante, situando o participante em posição extremamente desvantajosa perante o sistema, consistindo em fator impeditivo à fomentação da cultura previdencial.

            O direito norte-americano se utiliza de regras de tributação para a efetivação da manutenção dos aportes no sistema. A carência, nessa seara, se apresenta como fenômeno de isenção. Passada a carência, o que se adquire não é o direito ao resgate, mas o direito de se resgatar sem a tributação. O direito ao resgate é inerente à própria condição de participante.

 

VI. Contribuições

            As pormenorizações do plano estão no âmbito da contratualidade. As partes – entidade, instituidor e participante – obedecido a imperatividade legal[14], podem estabelecer regras adequadas à vontade convergente das partes. Essa liberalidade é característica intrínseca à Previdência Privada, consubstanciando-se em pressuposto de validade sistêmica.

            A delimitação das regras de contribuição, observado o equilíbrio econômico-financeiro e atuarial do plano, está no campo da contratualidade. As partes podem estabelecer as normas de custeio, delimitando os contribuintes do plano, as bases de apuração e as alíquotas de mensuração. Essas peculiaridades são facultativas, materializadas diante da convergência de vontade das partes.

            O plano, cuja natureza é aberta, pode prever contribuições dos participantes, apresentando a empresa como mera averbadora do negócio jurídico. A relação pode ser inversa, onde as regras contratuais impõem à empresa o status de contribuinte obrigatório, existindo o participante como mero contribuinte facultativo. Pode, também, o contrato repartir o ônus financeiro, impondo a condição de contribuinte a ambas as partes. Isso, reitera-se, pertence ao arbítrio das partes.

            As contribuições da empresa realizadas em nome do participante são isentas de tributação ao INSS, pois não são tratadas como remuneração (não são salário-de-contribuição dos empregados e executivos). Pelos princípios previdenciários privados, pode haver certa disparidade entre as contribuições de empresa em nome dos empregados e dirigentes (manutenção do padrão de vida). Então é possível que haja disparidade entre os aportes que a empresa faz a cada grupo de empregados de acordo com o status. Porém, essa diferenciação não pode extrapolar uma proporção razoável (não há um limite fixo; deve-se seguir o bom senso).

            Tais contribuições classificam-se como normais (ordinárias) e extraordinárias (especiais). As contribuições ordinárias têm finalidade determinada na lei, constituindo-se em aportes necessários ao custeio dos benefícios contratados. Tais contribuições, a priori, justificam-se em decorrência de prestações infortunísticas ou pré-determinadas (Benefício Definido), onde o risco atuarial é sobremaneira elevado. No mister nas prestações determináveis (Contribuição Definida), as contribuições ordinárias não têm a mesma importância, haja vista estar o valor da prestação desvinculada diretamente de elementos atuariais.

            As contribuições extraordinárias têm finalidades múltiplas, centradas na liberalidade ou no saneamento de deveres acessórios. Essa modalidade de contribuição, v.g., pode ser utilizada para o custeio de déficits, pagamento de serviços passados, ou no custeio de objetivos não amparados pelas contribuições normais, tais como o custeio de prestações programadas e determináveis (CD), ou majoração dos benefícios contratados e custeados com as contribuições normais (regra da contrapartida).

            Os planos de benefícios de caráter previdenciário estão dentro de um contexto de liberalidade das empresas para com seus empregados. Prova disso são os incentivos fiscais e o componente de exclusão do campo trabalhista que tais planos acarretam. O Estado e o legislador querem incentivar empregadores a efetuarem liberalidades em nome de seu colaboradores, pelos motivos de apoio de proteção social da Previdência Privada sobre o Regime Geral estatal e aumento de poupança interna.

No que tange à questão do empregador contribuir ou não para planos de Previdência Privada em nome de seus empregados é fator de mera liberalidade e política de RH. Se contribuir dentro de certos critérios haverá isenção tributária. Sobre o plano aberto coletivo vg, tal plano deve ter por objetivo a garantia de benefícios previdenciários a pessoas físicas vinculadas, direta ou indiretamente, à pessoa jurídica contratante .

            A empresa, assim, pode se apresentar dentro da relação previdenciária privada como contribuinte obrigatória ou facultativa; contribuindo, obrigatoriamente ou facultativamente, de forma normal (ordinária) ou extraordinária; dependendo das disposições contratuais, e observando o equilíbrio econômico-financeiro e atuarial do plano contratado. Acaso contribua dentro de certos limites, haverá vantagens tributárias.

 

1. Possibilidade de tratamento diferenciado para trabalhadores com remuneração acima do teto da previdência social

            Diante da premissa de que o objetivo principal da Previdência Privada é efetivar a manutenção do padrão de vida do trabalhador quando da inatividade, é relevante apresentar uma análise da situação previdencial dos trabalhadores com remuneração acima do teto da Previdência Social. Como os trabalhadores com remuneração abaixo ou igual ao teto da Previdência Social já estariam protegidos previdenciariamente, a existência de um plano de Previdência Privada neste caso seria uma proteção social extra.

A manutenção do padrão de vida do trabalhador quando da inatividade já estaria garantida, em princípio, pelo INSS. Logo, a criação de um plano de Previdência Privada para colaboradores é uma liberalidade que visa muito mais atender à razoabilidade de tratamento mínimo de todos os empregados do que realmente ofertar proteção social mínima.

            Não obstante, para os trabalhadores com remuneração acima do teto da Previdência Social, a manutenção do padrão de vida quando da inatividade não estaria garantida pelo INSS. Assim, a Previdência Privada seria o meio correto de garantir a manutenção do padrão de vida destes trabalhadores com remuneração acima do teto da Previdência Social, haja vista que o INSS só poderá garantir proteção até o valor do teto de benefícios, que nitidamente vem sendo achatado ao longo dos anos.

 

2. Trabalhadores com remuneração acima do teto da previdência social – situação contributiva perante o plano

            A Previdência Privada é autônoma em referência à Previdência Social. Tal premissa é irrefutável, pois se encontra constitucionalmente prevista. O caput do artigo 202, com redação dada pela Emenda Constitucional nº 20, é expresso no sentido de que o “regime de previdência privada” é autônomo em “relação ao regime geral de previdência social”. Logo, é irrelevante à análise da relação previdenciária privada o conhecimento do status do participante perante o Regime Geral de Previdência Social – RGPS (como segurado do INSS).

            A forma de contribuição, como visto, é aspecto inerente à contratualidade. Respeitado o equilíbrio do plano, faculta-se às partes estabelecerem a forma de contribuição, delimitando a base de apuração e a alíquota de mensuração. O plano deve ser concatenado, a priori, a essas premissas. Deve, todavia, ser avaliada por atuário, que compreenderá, dentro dessa ciência, a validade atuarial da sistemática contributiva sugerida.

            A segregação desses empregados daqueles que detêm salário-de-contribuição inferior ao teto do RGPS tem premissa legal. O regime previdenciário, como todo direito vigente, pauta-se no princípio da isonomia. O tratamento deve ser diferenciado quando a conjuntura fática diferencia os sujeitos. A previdência, como forma de Seguridade Social, visa o saneamento de eventual indigência, consubstanciada na perda da capacidade, presumida ou real, laboral, e, por conseguinte, cessação dos rendimentos. Cada sujeito tem situação econômica-social própria e específica, devendo ser tratada dentro da sua especificidade, sob pena da ineficácia da proteção social[15].

            Há constitucionalidade, portanto, nesse tratamento diferenciado. Haveria inconstitucionalidade, diferentemente, se o tratamento fosse desigual em relação a pessoas que tem características laborais assemelhadas.

 

3. Trabalhadores com remuneração acima do teto da previdência – situação protetiva perante o plano

            A elaboração do plano de proteção, semelhantemente ao que ocorre no plano de custeio, está no âmbito da facultatividade. As partes, obedecida as regras imperativas, podem criar normas protetivas, estabelecendo, ante a criatividade e liberalidade, diversas prestações previdenciárias.

            O plano de proteção não pode, porém, ser criado de forma autônoma. Faz-se necessário estabelecer conexão com o plano de custeio, haja vista a necessidade de se estabelece equilíbrio sistemático, não se admitindo desequilíbrios inconseqüentes.

            As regras de eleição, diante da natureza previdencial do plano, devem ser contingenciais. Isso não impõe em dizer que as regras devem ser infortunísticas, pois podem ser admissíveis algumas contingências presumidas (v.g. idade). As sugestões da empresa respeitam esse pressuposto, porque elegem como fator de concessão a idade (contingência presumida), a invalidez (contingência comprovada) e a morte (contingência presumida).

            Elemento que gera intranqüilidade jurídica é o que vincula a integralidade do benefício à preparação de sucessor. Tal elemento é demasiado subjetivo, podendo, no futuro, gerar contencioso na delimitação conceitual da expressão. A entidade concessória terá inúmeras dificuldades na delimitação da satisfação desse requisito, intranqüilizando a concessão; criando contencioso em face do plano.

            A delimitação da invalidez também é subjetiva. Porém, diferentemente do que ocorre com a definição de preparação de sucessor, pode-se utilizar parâmetros oficiais, reconhecendo-se o participante como inválido, diante do reconhecimento dessa situação pelo Instituto Nacional do Seguro Social – INSS.

 

4. Trabalhadores com remuneração abaixo do teto da previdência – situação protetiva perante o plano

            As regras sugeridas são adequadas ao cenário previdenciário objetivado pela empresa. O tratamento diferenciado justifica-se na realidade previdenciária desses trabalhadores. A proteção conferida pelo RGPS é suficiente ao saneamento da contingência, apresentando-se a Previdência Privada como mera suplementação de proteção. 

 

5. Institutos obrigatórios da previdência privada: portabilidade, resgate, benefício proporcional diferido e autopatrocínio

No âmbito da proteção social e da manutenção de padrão de vida em análise, existe uma referência constitucional a ser respeitada. Existe então uma coexistência do caráter institucional (oriundo da proteção social inerente) e do caráter contratual da Previdência Privada.

A predominância do caráter institucional acarretaria a possibilidade de mudanças dentro da relação jurídica que não estejam previstas contratualmente. Uma lei posterior à adesão contratual poderia vir a regrar matérias contidas no contrato, fato que erigiria uma instabilidade jurídica.

Por outro lado, a prevalência do caráter contratual vedaria o regramento de lei posterior sobre o ato jurídico perfeito ocorrido, obstando alterações sociais importantes.

Há um caráter misto (institucional e contratual simultaneamente). O caráter institucional diz respeito ao aspecto cogente envolvendo a matéria, ou seja, que não é passível de pactuação com liberdade contratual das partes. O elemento cogente não está na obrigatoriedade de ingresso no sistema de Previdência Complementar Privada (que é constitucionalmente facultativo); está na imposição de limites legais que cercam as liberdades contratuais. Uma vez que haja o ingresso no sistema, existe uma esfera cogente envolvendo as relações jurídicas que transcendem aquilo que foi contratado.

O fator que impede a supremacia contratual da relação jurídica é a proteção social envolvida. Existe um cunho privado que fica delimitado no campo de seguridade social. Assim, elementos relativos ao contrato que sejam precipuamente negociais não devem ser incluídos no aspecto institucional, ou seja, não devem ser afetados por novas legislações. Elementos contratuais que sejam precipuamente sociais são passíveis de alteração excepcional por via legislativa.

Exemplo de influência legislativa (institucional) sobre o contrato de adesão previdenciário são os institutos previstos pelo art. 14 da Lei Complementar nº 109.

No Brasil atualmente existem quatro institutos principais necessários para os planos de Previdência Privada.

Estes quatro institutos são obrigatórios no texto do regulamento de todos os planos de Previdência Privada, mesmo aqueles anteriores à lei (que não prevendo deverão ter inseridos em seu corpo contratual e regulamentar), de acordo com o art 14 da Lei Complementar nº 109 .

Os institutos obrigatórios dos planos de Previdência Privada no Brasil são:

a) benefício proporcional diferido;

b) portabilidade;

c) resgate; e

d) autopatrocínio.

Como existe a inserção obrigatória destes quatro institutos no regulamento do plano, a liberdade contratual é limitada pela lei, sob o fundamento da proteção social.

Essa limitação à liberdade contratual previdenciária privada é oriunda do caráter misto da previdência privada: contratual/institucional. O lado institucional da Previdência Privada, ligada à Seguridade Social, acarreta esta ingerência estatal sobre o conteúdo dos contratos previdenciários privados.

Para os contratos de planos de Previdência Privada (aberta ou fechada) que forem pactuados após a Lei Complementar nº 109, existe a imposição legal de que os institutos acima citados constem do texto contratual (e do regulamento). Para os contratos anteriores à Lei Complementar nº 109 deve haver a inserção desses institutos (benefício proporcional diferido; portabilidade; resgate; autopatrocínio).

As partes contratantes não têm opção de incorporar ou não tais institutos contratualmente e no regulamento do plano, pois há uma imposição do contexto de proteção social. Nos contratos de seguros comuns, v.g., não há este tipo de vinculação legal (não há caráter contratual/institucional).

O autopatrocínio está previsto como um instituto obrigatório nos planos de benefícios, de acordo com o inciso IV do art. 14 da Lei Complementar nº 109, como sendo uma:

“Opção de o participante sustentar o valor de sua contribuição bem como a do patrocinador, no caso de perda parcial ou total da remuneração recebida, assegurando-lhe o recebimento dos benefícios no valor correspondentes àquela remuneração ou em outros definidos em normas regulamentares.”

            O participante não pode ser obrigado a ser autopatrocinado. Autopatrocínio é uma faculdade do participante em manter o valor de sua contribuição e a do patrocinador.

            A lei permite o autopatrocínio no caso de “perda parcial ou total da remuneração recebida”. A perda parcial ou total da remuneração recebida pode envolver interrupção ou suspensão do contrato de trabalho. Como a lei não fez qualquer menção sobre este detalhe, basta haver uma diminuição da contribuição da patrocinadora em virtude de perda parcial ou total da remuneração (salário mais gorjetas) para que o participante possa exercer o autopatrocínio.

            Antes da Lei Complementar nº 109 não havia a previsão legal de portabilidade no Brasil, e o beneficio proporcional diferido (vesting) era uma figura normativa obscura e desconhecida. Destarte, o participante, no caso de perda do vínculo empregatício com a patrocinadora, só tinha duas opções: Autopatrocínio ou o Resgate.

O autopatrocínio surge quando o participante paga a totalidade das contribuições previdenciárias em seu nome, incluindo a contribuição feita pela patrocinadora. Exemplificando: o participante arca com 40% da contribuição total em seu nome e a patrocinadora paga os outros 60%.

Havendo a perda do vínculo empregatício com a patrocinadora, o participante, para continuar no plano, terá de arcar não somente com os 40% que ele já pagava, mas agora terá de pagar também os 60% referentes à contribuição que era da patrocinadora.

Na realidade, o autopatrocínio, instituto que deve ser apresentado ao participante como opção contratual em caso de perda do vínculo empregatício, é proibitivo porque se torna muito custoso ao participante.

Para prosseguir como autopatrocinado, normalmente o participante está prestes a receber benefícios. Num período mais dilatado, o autopatrocínio não é viável, pois a carga contributiva a ser suportada não justificara a permanência no plano.

            Havendo perda parcial da remuneração, a contribuição da patrocinadora só será reduzida se estiver atrelada à remuneração por força do contrato e do regulamento do plano. Se a patrocinadora assumiu a responsabilidade de arcar com determinado valor da contribuição, independentemente da diminuição da remuneração do empregado, não há motivo para o autopatrocínio.

            A perda parcial da remuneração ensejará autopatrocínio se ocasionar diminuição da contribuição da patrocinadora, seja ela total ou parcial. O escopo da lei é assegurar a percepção dos benefícios nos níveis correspondentes àquela remuneração que o participante estava recebendo até haver perda total ou parcial (manutenção do padrão de vida).

Outro instituto que merece análise é o benefício proporcional diferido. O inciso I do art. 14 da Lei Complementar nº 109 estabelece quando o benefício proporcional diferido ocorre:

“em razão da cessação do vínculo empregatício com o patrocinador ou associativo com o instituidor antes da aquisição do direito ao benefício pleno, a ser concedido quando cumpridos os requisitos de elegibilidade”.

O benefício proporcional diferido se dá com o pagamento de um benefício na proporção daquilo que foi contribuído e capitalizado em nome do participante, garantindo a possibilidade de recebimento de um benefício previdenciário privado na razão daquilo que foi aportado em nome do participante, mesmo que não atingidos todos os requisitos de aquisição do benefício integral.

Houve inovação da Lei Complementar nº 109 no enquadramento do benefício proporcional diferido como instituto necessário ao contrato previdenciário privado de adesão. Tal lei eliminou a dúvida sobre se e quando o participante faz jus ao benefício.

Passemos a verificar a portabilidade. Portabilidade é a transferência das reservas técnicas do participante de um plano de Previdência Privada (aberto ou fechado) para outro. A portabilidade é prevista no inciso II, do art. 14, da Lei Complementar nº 109, como instituto obrigatório do plano previdenciário:

“portabilidade do direito acumulado pelo participante para outro plano”.

Cabe ressaltar que a portabilidade pode envolver somente a parcela contribuída pelo empregado. Giza, inclusive, a Súmula nº 290 do STJ:

“Nos planos de previdência privada, não cabe ao beneficiário a devolução da contribuição efetuada pelo patrocinador.”

Depreende-se que a Súmula indica que em casos de portabilidade ou de resgate o participante não teria direito à parcela da contribuição efetuada pelo patrocinador.

O inciso III do art 14 da Lei Complementar nº 109 prevê o resgate como instituto obrigatório dos planos previdenciários. O resgate é preceituado como retirada total ou parcial das contribuições vertidas ao plano pelo participante, embora descontando as parcelas do custeio administrativo. Pode haver resgate de recursos das reservas técnicas, provisões e fundos, total ou parcialmente.

Resgate é a retirada de valores efetivada pelo participante dos valores que este tem em seu nome no plano de Previdência Privada. Atualmente o imposto de renda incidente sobre o resgate depende do período de acumulação dos valores, com variações de até 27,5% para o regime progressivo (antigo) e de até 35% para o regressivo (Lei nº 11.053):

Levando-se em conta que a Previdência Privada faz parte da Seguridade Social, o resgate é o ato mais indesejado, pois extrai do âmbito previdenciário valores que deveriam propiciar um benefício previdenciário.

Pela proteção social, a lei traz uma série de empecilhos para o resgate em determinados casos, tais como:

-carência,

-perda de parcelas contribuídas pela patrocinadora em nome do participante,

-tributação escalonada mediante tempo de acumulação.

A faculdade de resgate está disposta de acordo com o espírito da lei. O participante não pode ser obrigado a manter recursos no sistema, sendo vedado ao Estado ou às entidades de Previdência Privada impingir obliterações ao resgate (v.g.: carga tributária confiscatória ou taxas administrativas absurdas).

Como no caso da extrafiscalidade, para que o participante evite resgatar tais valores previdenciários, há incentivos (taxas de administração, redução e isenção tributárias), e há punições, sempre com o alvo da manutenção dos recursos na Previdência Privada.

 

Considerações finais

            Qualquer programa de Previdência Privada a ser efetivado por uma empresa deve observar certas regras fundamentais de oferecimento a todos os empregados, de equilíbrio financeiro e atuarial, e de enquadramento aos institutos obrigatórios. Algumas destas regras foram expostas supra.

            Dentro de uma gradação de irregularidades, caso o plano careça desses elementos, sua natureza previdenciária pode ser desconsiderada pela lei. Esta desconsideração pode acarretar desde a anulação de isenções tributárias até a própria anulação do plano em si.

            A dicotomia entre o prisma contratual e o prisma institucional da Previdência Privada embasa a vertente de limitação dos contratos previdenciários privados dentro do contexto constitucional de seguro social. A proteção social imanente ao campo em tela acarreta o aspecto técnico da desconstrução da natureza previdenciária dos planos de acordo com a existência ou não de elementos jurídicos essenciais.

            Portanto, cabe aos operadores técnicos dos planos, numa visão multidisciplinar, observar tais critérios essenciais de Previdência Privada no sentido de oferecer aos participantes a maior segurança jurídica e atuarial possível. Esta segurança não se aplica somente ao participante, sujeito mais importante da relação jurídica, mas também à empresa/entidade, seja ela patrocinadora, instituidora ou averbadora.

 

 



[1] Artigo 201 da Constituição Federal: “A previdência social será organizada sob a forma de regime geral, de caráter contributivo e de filiação obrigatória, observados critérios que preservem o equilíbrio financeiro e atuarial, e atenderá, nos termo da lei, a:”. Artigo 202 da Constituição Federal: “O regime de previdência privada, de caráter complementar e organizado de forma autônoma em relação ao regime geral de previdência social, será facultativo, baseado na constituição de reservas que garantam o benefício contratado, e regulado por lei complementar”.

[2] Artigo 20 da Lei Complementar nº 109/01.

[3] Artigo 21 da Lei Complementar nº 109/01.

[4] Nenhum benefício ou serviço da seguridade social poderá ser criado, majorado ou estendido sem a correspondente fonte de custeio.

[5] Artigo 24 da Lei nº 8.213/91: “Período de carência é o número mínimo de contribuições mensais indispensáveis para que o beneficiário faça jus ao benefício, consideradas a partir do transcurso do primeiro dia dos meses de suas competências”.

[6] WEINTRAUB, Arthur Bragança de Vasconcellos. Previdência Privada – Doutrina e Jurisprudência. São Paulo: Quartier Latin. 2005, p. 50: “O Regime Geral da Previdência Social pressupõe que quem está trabalhando paga os benefícios dos aposentados e pensionistas atuais”.

[7] Artigo 18 da Lei Complementar nº 109/01.

[8] O regime financeiro de capitalização é obrigatório para os benefícios de pagamento em prestações que sejam programadas e continuadas.

[9] Op. Cit (WEINTRAUB), p. 52.

[10] THOMPSON, Lawrence. Mais Velha e Mais Sábia: a economia dos sistemas previdenciários. Brasília, PARSEP/ MPAS / SPS 2000. Coleção Previdência Social. Série Debates, p. 37.

[11] Emenda Constitucional nº 20/98.

[12] PASTOR, José Manuel Almansa. Derecho de la Seguridad Social. 7ª ed. Madrid: Tecnos. 1991, p. 401.

[13] BERBEL, Fábio Lopes Vilela. Aposentadoria Especial, Validade Ante a Necessidade de Especificação das Prestações Previdenciárias. In Jornal do 16º Congresso Brasileiro de Previdência Social. São Paulo: LTr. 2003, p. 198 e 199.

[14] Artigo 7º da Lei Complementar nº 109/01: “Os planos de benefícios atenderão a padrões mínimos fixados pelo órgão regulador e fiscalizador, com o objetivo de assegurar transparência, solvência, liquidez e equilíbrio econômico-financeiro e atuarial”.

[15] WEINTRAUB, Arthur Bragança de Vasconcellos; BERBEL, Fábio Lopes Vilela. Manual de Aposentadoria Especial. São Paulo: Quartier Latin. 2005, p. 37.

 

 

REFERÊNCIAS

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