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LEI COMPLEMENTAR N. 142/13 - aposentadoria da pessoa com deficiência segurada do Regime Geral de Previdência Social (RGPS) – MARCO INICIAL DE REGULAMENTAÇÃO OU DE INDAGAÇÃO

 

Lilian Muniz Bakhos
Advogada.Especialista em Direito Previdenciário. Mestranda em Direitos Difusos e Coletivos. Professora de Direito Previdenciário, Direito do Trabalho E Direito Tributário. Membro do Centro de Pesquisa Científica da Universidade Metropolitana de Santos – UNIMES. Secretária da Comissão de Temas Previdenciários da OAB/SP – Subseção de Santos
 
Danilo de Oliveira
Advogado
Especialista em Direito Constitucional. Professor de Direito Constitucional, Administrativo, Tributário e Previdenciário. Coordenador da Comissão de Temas Previdenciários da OAB/SP - Subseção de Santos

 Artigo recebido em 20/6/2013 - Aprovado em 1/7/2013

RESUMO: O presente estudo traz dados estatísticos sobre as condições sociais em que vivem as pessoas com deficiência no Brasil e no mundo e, a partir destes apontamentos, aborda questões relevantes sobre a inclusão dos deficientes no mercado de trabalho, principalmente no que se refere aos novos critérios de concessão de aposentadoria aos segurados deficientes do Regime Geral de Previdência Social. O artigo trata da questão da graduação da deficiência em grave, moderada ou leve e apresenta críticas acerca deste enquadramento e da falta de clareza da Lei Complementar n. 142/13 quanto à forma adequada de contagem do tempo de contribuição especialmente nos casos em que a deficiência é posterior à filiação ao Regime Previdenciário. 

PALAVRAS-CHAVE: previdenciário – aposentadoria do deficiente – Lei Complementar n. 142/13

 

ABSTRACT: This study provides statistical data on social conditions in which people with disabilities live in Brazil and in the world and, from these notes, addresses issues relevant to the inclusion of disabled people in the labor market, especially with regard to the new criteria granting pension to disabled policyholders of the General Welfare. The article deals with the question of the degree of disability in severe, moderate or mild and presents critiques about this framework and the lack of clarity of Complementary Law 142/13 regarding the proper way of counting time contribution especially in cases where disability is after the membership of the Pension Scheme.

KEY WORDS: pension - retirement disabled - Complementary Law n. 142/13

 

SUMÁRIO: Introdução. 1. Pessoas com Deficiência no Mercado de Trabalho. 1.1. Quem são as pessoas com deficiência? 1.2. Onde estão as pessoas com deficiência? 1.3. Programas nacionais de inclusão das pessoas com deficiência no mercado de trabalho.2. Os novos critérios de jubilação trazidos pela Lei Complementar n. 142/2013. 3. Conclusão. 4. Referências.

 

Introdução

Publicada no Diário Oficial da União em 09 de maio de 2013, a Lei Complementar n. 142 trata da aposentadoria da pessoa com deficiência segurada do Regime Geral de Previdência Social (RGPS), especialmente no que tange à contagem de tempo de contribuição mediante a adoção de requisitos e critérios diferenciados.

O artigo 201, parágrafo primeiro, da Carta Magna veda, como regra, a adoção de requisitos e critérios diferenciados para a concessão de aposentadoria aos beneficiários do RGPS. Isso, em prestígio ao princípio constitucional da isonomia no seu aspecto formal (Constituição Federal de 1988, artigo 5º, “caput” – “todos são iguais perante a lei”).

Entretanto, em observância ao aspecto material ou concreto do princípio constitucional da isonomia (Constituição Federal de 1988, artigo 3º, inciso III – “reduzir as desigualdades sociais e regionais”) estabeleceu duas exceções: uma relativa aos segurados que exerçam atividades laborais sob condições especiais que prejudiquem a saúde ou a integridade física e outra, a qual nos interessa momentaneamente, relacionada aos segurados com deficiência.

Ressaltamos que ambas as exceções, segundo o preceito constitucional acima mencionado, carecem de regulamentação por meio de Lei Complementar, haja vista a relevância das matérias excepcionais, conforme entendeu o Constituinte Reformador, uma vez que a redação atual do parágrafo primeiro do artigo 201 decorreu da Emenda Constitucional n. 47/2005. Daí a origem da LC n. 142/2013, em questão.

Num primeiro momento, parece-nos louvável a atuação do legislador, o qual, após 08 (oito) anos, finalmente exerceu o seu papel e definiu os requisitos e critérios diferenciados para a concessão de aposentadorias aos segurados com deficiência do RGPS.

Basicamente, tratou o legislador de definir tempo de contribuição menor para a jubilação das pessoas com deficiência nas aposentadorias por tempo de contribuição (B 42) e redução da idade nas aposentadorias por idade (B 41).

Nas aposentadorias por tempo de contribuição, conforme aprofundaremos mais adiante, o tempo de contribuição reduzido variará de acordo com o grau de deficiência do segurado: leve, moderado e grave.

Observamos que a Lei Complementar n. 142/2013 atribuiu ao Poder Executivo, mediante a edição de ato normativo secundário, a regulamentação do que são deficiências leve, moderada e grave.

Nas aposentadorias por idade dos segurados com deficiência o legislador simplesmente ignorou os graus de deficiência ao estabelecer apenas a redução do requisito idade, independentemente do grau de deficiência da pessoa, conforme analisaremos à frente.

Será que apenas estabelecer singela redução de 05 (cinco) anos no requisito idade para a concessão dessa modalidade de jubilação, ignorando os diferentes graus de deficiência, ao exigir 15 (quinze) anos de contribuição desses segurados com deficiência leve, moderada ou grave, não fere o princípio constitucional da isonomia? Principalmente, se considerarmos que os segurados sem deficiência também devem cumprir carência de 180 (cento e oitenta) contribuições mensais, ou seja, em virtude da Lei Complementar n. 142/2013, segurados sem e com deficiência cumprirão idêntico requisito de carência. Isso não afronta o ordenamento jurídico pátrio?

Outras indagações de alta relevância emanam com a edição da Lei Complementar em comento. Será que as pessoas com deficiência estão realmente inseridas no mercado de trabalho, antes mesmo de se pensar na sua jubilação? Será que o mercado de trabalho está concretamente preparado para eventual processo de inclusão desses segurados?

Imaginemos que as respostas foram positivas. Os operadores do Direito, técnicos e analistas do Instituto Nacional do Seguro Social (INSS), advogados, defensores públicos, juízes etc., e a própria sociedade, principalmente os segurados com deficiência, estão prontos para diferenciar doença, incapacidade e deficiência, essa última em seus 03 (três) distintos graus? Aliás, a nossa legislação já o faz satisfatoriamente? A nossa legislação se encontra apta a dar suporte a essas exegeses? Será que no prazo de 06 (seis) meses atribuído pela Lei Complementar n. 142/2013 o Poder Executivo conseguirá estabelecer essas relevantes premissas?

Passemos a analisar, ainda que superficialmente, o panorama atual do mercado de trabalho em relação às pessoas com deficiência e as condições em que se dará sua jubilação para que possamos tentar responder a alguns destes questionamentos.

 

1. Pessoas com deficiência no mercado de trabalho

1.1 Quem são as pessoas com deficiência

O presente estudo não poderia partir de outro ponto senão pela definição daquilo que se entende, atualmente, como deficiência.

O preâmbulo da Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência, “reconhecendoque a deficiência é um conceito em evolução e que a deficiência resulta da interação entre pessoas com deficiência e as barreiras devidas às atitudes e ao ambiente que impedem a plena e efetiva participação dessas pessoas na sociedade em igualdade de oportunidades com as demais pessoas”, indica que, ainda hoje, não há um conceito fechado daquilo que se entende como deficiência. Mais do que isto, alerta que, ao contrário do que se imagina, a deficiência não é necessariamente intrínseca à pessoa, mas pode resultar das limitações impostas pelo meio em que ela vive.

Note-se que o art. 1º de referida norma internacional, ao conceituar pessoas com deficiência, evidencia que se trata de uma condição pessoal e ambiental:

“Pessoas com deficiência são aquelas que têm impedimentos de longo prazo de natureza física, mental, intelectual ou sensorial, os quais, em interação com diversas barreiras, podem obstruir sua participação plena e efetiva na sociedade em igualdades de condições com as demais pessoas.” (g.n.)

Como não poderia deixar de ser, a Lei Complementar 142/2013 acompanhou a definição trazida pela Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência (incorporada ao nosso ordenamento pelo Decreto 6949/09) e a repetiu em seu art. 2º.

Com isto fica patente: a análise de eventual deficiência não passa apenas pela observação da pessoa, mas também pela investigação dos obstáculos que lhe são impostos pelo meio em que vive. Daí se concluir que pessoas com disfunções idênticas de umaestrutura psíquica,fisiológica ou anatômica podem ser consideradas pessoas com deficiência em graus distintos, a depender das condições ambientais.

 

1.2. Onde estão as pessoas com deficiência?

De acordo com um levantamento realizado pela Organização das Nações Unidas[1], aproximadamente 10% da população mundial é composta por pessoas com deficiência. Este percentual aparentemente pequeno representa cerca de 650 milhões de pessoas que, em sua maioria, vivem em países em desenvolvimento. Os apontamentos indicam que 20% das pessoas mais pobres do mundo possuem alguma deficiência.

Outras informações relevantes também são trazidas pelos estudos da ONU:

“Mulheres e meninas com deficiência são particularmente vulneráveis a abusos. Pessoas com deficiência são mais propensas a serem vítimas de violência ou estupro, e têm menor probabilidade de obter ajuda da polícia, a proteção jurídica ou cuidados preventivos. Cerca de 30% dos meninos ou meninas de rua têm algum tipo de deficiência, e nos países em desenvolvimento, 90% das crianças com deficiência não freqüentam a escola.”[2]

No Brasil, de acordo com o Censo Demográfico 2010 – Características Gerais da População, Religião e Pessoas com Deficiência – divulgado dia 29/06/2012 pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), 24% da população total do país tem algum tipo de deficiência. Isso corresponde a quase 46 milhões de pessoas.

Cientes destes números, cabe a indagação: onde estão essas pessoas? Com quantas pessoas com deficiência já trabalhamos ou estudamos ao longo de nossas vidas? Sobre quantos profissionais com deficiência, bem remunerados e reconhecidos por sua atuação, já ouvimos falar? Poucos, de certo!

Para compreender as razões disso, basta verificar as conclusões do próprio IBGE que demonstram que 61,1% das pessoas com deficiência maiores de 15 anos de idade não possuem nenhuma instrução ou têm apenas o ensino fundamental incompleto (o percentual cai para 38,2% em se tratando de pessoas sem nenhuma deficiência nesta mesma faixa etária).

Do total de pessoas com deficiência em idade ativa (44 milhões de pessoas), mais da metade não é economicamente ativa ou está desocupada. Dentre as pessoas com deficiência com alguma ocupação, 46,4% ganham até um salário mínimo ou não são remuneradas.

E este não é um problema exclusivo do Brasil ou de países em desenvolvimento.

De acordo com o site oficial das Nações Unidas UN Enable[3], um levantamento realizado em 2004 nos Estados Unidos descobriu que apenas 35% das pessoas com deficiência em idade economicamente ativa estavam, de fato, em atividade (contra 78% das pessoas sem deficiência). Um ano antes, uma pesquisa feita pela Universidade de Rutgers com empregadores norte-americanos demonstrou que um terço deles acredita que pessoas com deficiência não são capazes de realizar as tarefas comumente exigidas no trabalho e que a segunda razão mais comum para não contratarem pessoas com deficiência é o receio do custo com instalações especiais.[4]

 

1.3. Programas nacionais de inclusão das pessoas com deficiência no mercado de trabalho

Recentemente, o governo federal lançou o Plano Nacional dos Direitos da Pessoa com Deficiência – Viver sem Limite (Decreto nº 7.612/11). Mencionado plano, que conta com a participação de 15 ministérios e do Conselho Nacional dos Direitos da Pessoa com Deficiência, tem como principal proposta a criação de políticas governamentais garantidoras do acesso à educação e saúde, promotoras da acessibilidade e da inclusão social das pessoas com deficiência.

Dentre algumas medidas, o plano prevê a reserva de vagas na concessão de bolsas em cursos de formação profissional técnica e de qualificação profissional oferecidas pelo Programa Nacional de Acesso ao Ensino Técnico e Emprego (Pronatec).

Para estimular ainda mais a contratação de profissionais com deficiência no mercado de trabalho, além da obrigação legal de cumprimento das cotas estabelecida pelo art. 93 da Lei 8.213/91, os governos regionais podem criar outras formas de incentivo como, por exemplo, o Programa de Apoio ao Emprego de Deficientes da Secretaria doEmprego e Relações do Trabalho do Estado de São Paulo, que oferece às empresas, de forma gratuita, palestras sobre contratação e integração da pessoa com deficiência, pré-seleção dos candidatos e orientação para elaboração de plano de trabalho.

Muito embora haja algum esforço governamental na tentativa de incluir os profissionais com deficiência no mercado de trabalho, existem muitos obstáculos que tornam esta tarefa muito dificultosa.

Além das questões sociais indicadas pelos estudos e censos realizados no Brasil e por Organismos Internacionais (que relacionam uma maior concentração de pessoas com deficiência nas classes sociais mais pobres, com nível mais baixo de escolaridade e menores salários), o Conselho Nacional dos Direitos das Pessoas Portadoras de Deficiência Física (Conade) alerta para outros obstáculos que são comumente enfrentados pelos profissionais com deficiência e que, muitas vezes, os fazem desistir de buscar um emprego.[5]

De acordo com o Conade, o preconceito por parte dos colegas de trabalho e a necessidade de adaptação dos ambientes estão entre as principais reclamações dos profissionais com deficiência. Embora estas sejam as reclamações mais recorrentes, focaremos na análise de outra relevante preocupação das pessoas com deficiência: a perda do benefício de prestação continuada e o medo do desemprego.

A Lei Orgânica da Assistência Social (Lei 8.742/93) regulamenta a proteção assistencial prevista no art. 203, V, CF garantindo aos deficientes de baixa renda um benefício mensal no valor de um salário mínimo. O benefício se extingue quando forem superadas as condições que lhe deram origem: caso de eventual reversão do quadro de deficiência ou nas hipóteses em que o beneficiário passa a ter condições de prover sua própria subsistência.

Muitas pessoas com deficiência temem abrir mão do benefício assistencial para ingressar no mercado de trabalho e, em caso de desemprego, virem-se absolutamente desamparadas.

Frise-se que a troca do amparo estatal por uma atividade remunerada nem sempre é vantajosa, haja vista que o valor da remuneração líquida é, na maioria das vezes, muito próximo ou até inferior ao do benefício (especialmente se considerarmos os descontos legais incidentes sobre o salário).

As novas regras de aposentadoria das pessoas com deficiência (LC 142/13) somente beneficiarão as pessoas com deficiência que conseguirem superar todos estes obstáculos sociais e econômicos, além das barreiras ambientais que em muito dificultam o acesso das pessoas com deficiência no mercado de trabalho.

 

2. Os novos critérios de jubilação trazidos pela lei complementar n. 142/2013

Antes de abordarmos os requisitos e critérios diferenciados de jubilação dos segurados com deficiência com maior profundidade, precisamos nos recordar dos necessários para a aposentadoria dos segurados sem deficiência.

No RGPS, para a aposentadoria por tempo de contribuição (B 42), em geral, são necessários 35 (trinta e cinco) anos ou 30 (trinta) anos de contribuição, em se tratando de homem ou mulher, respectivamente.

Para a aposentadoria por idade (B 41), são necessários 65 (necessários) anos de idade se homem, ou 60 (sessenta) anos de idade se mulher.

Como já colocado em tópico anterior, basicamente, a Lei Complementar n. 142/2013 implantou reduções na contagem de tempo de contribuição para as aposentadorias por tempo de contribuição das pessoas com deficiência, bem como reduções na idade para os segurados com deficiência nessa modalidade de jubilação.

Na aposentadoria por tempo de contribuição dos segurados com deficiência, as reduções variam entre 02 (dois), 06 (seis) e 10 (dez) anos a depender do grau de deficiência.

Para as deficiências leves a redução do tempo de contribuição necessário para a aposentadoria é de 02 (dois) anos, assim segurados homens com deficiência leve poderão se aposentar com 33 (trinta e três) anos de contribuição, enquanto seguradas mulheres com deficiência leve poderão se aposentar com 28 (vinte e oito) anos de contribuição.

Para as deficiências moderadas a redução do tempo de contribuição necessário para a aposentadoria é de 06 (seis) anos, assim segurados homens com deficiência moderada poderão se aposentar com 29 (vinte e nove) anos de contribuição, enquanto seguradas mulheres com deficiência moderada poderão se aposentar com 24 (vinte e quatro) anos de contribuição.

Para as deficiências graves a redução do tempo de contribuição necessário para a aposentadoria é de 10 (dez) anos, assim segurados homens com deficiência grave poderão se aposentar com 25 (vinte e cinco) anos de contribuição, enquanto seguradas mulheres com deficiência grave poderão se aposentar com 20 (vinte) anos de contribuição.

Em suma, as reduções serão de 02 (dois) anos para deficiências leves, de 06 (seis) anos para deficiências moderadas e de 10 (dez) anos para deficiências graves.

A Lei Complementar n. 142/2013 não definiu o que são os graus de deficiência leve, moderado e grave, transferindo essa tarefa ao Poder Executivo, o qual deverá fazê-lo por meio de ato normativo secundário no prazo de 06 (seis) meses a contar da data de sua publicação.

A definição dos graus de deficiência pelo Poder Executivo tem preocupado sobremaneira os operadores do Direito, uma vez que existe uma tendência em estabelecer conceitos muito reduzidos, aquém do necessário, os quais acabam por deixar desprotegidas pessoas que pragmaticamente deveriam ser amparadas por um determinado instituto jurídico.

O pior é que na maioria das vezes o fundamento para tal prática é a questão puramente econômica.

Segmentos representativos de pessoas com deficiência, por sua vez, numa postura muito íntegra e revestida de enorme seriedade, têm a preocupação de que pessoas sem deficiência possam ser eventualmente prestigiadas por algum equívoco no enquadramento de pessoa com deficiência, como ocorre com as isenções tributárias para alguns daqueles acometidos por hérnia de disco que adquirem veículo automotor, segundo argumentam tais entidades.

Noutro giro de palavras, o que queremos dizer é que essa definição (ou atual indefinição) dos graus de deficiência carece de especial atenção.

Podemos antecipar que o Regulamento advindo do Poder Executivo não pode sequer pretender reduzir o alcance desses institutos, tampouco tentar estabelecer róis fechados. Isso porque o conceito de pessoa com deficiência é um conceito em evolução!

A Constituição Federal de 1988, em seu artigo 5º, parágrafo terceiro, estabelece que os Tratados e Convenções Internacionais, desde que versem direitos humanos, que forem aprovados seguindo o processo legislativo das Emendas Constitucionais, ou seja, forem aprovados em ambas as Casas do Congresso Nacional, em duplo turno de votação em cada uma delas, pela maioria qualificada de seus membros (3/5 dos membros de cada uma das Casas), serão equivalentes a uma Emenda Constitucional, isto é, terão força de norma constitucional.

Esses Tratados e Convenções Internacionais de direitos humanos aprovados na forma acima integrarão o que a doutrina constitucionalista denomina de “Bloco de Constitucionalidade”.

Até o presente momento, apenas uma Convenção Internacional de direitos humanos foi aprovada no Brasil dessa forma: a Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência, assinada em Nova Iorque na data de 30 de março de 2007.

Já na alínea “e” de seu preâmbulo a mencionada Convenção estatui que a “deficiência é um conceito em evolução”!

Vejamos a íntegra dessa alínea: “Reconhecendoque a deficiência é um conceito em evolução e que a deficiência resulta da interação entre pessoas com deficiência e as barreiras devidas às atitudes e ao ambiente que impedem a plena e efetiva participação dessas pessoas na sociedade em igualdade de oportunidades com as demais pessoas,”.

Podemos perceber que, além da importante constatação de que o conceito de deficiência, assim como o a própria sociedade e via de consequência o Direito, não é estanque, isto é, está em evolução, inova a Convenção/norma constitucional ao expressamente consignar que a deficiência decorre não apenas de limitações da pessoa, portanto internas, mas sim da conjugação dessas com as limitações externas, as quais correspondem às impostas pela sociedade, inclusive pelo mercado de trabalho, tais como preconceito, escassez ou falta de acessibilidade etc.

Por isso, cremos ser juridicamente impossível eventual tentativa de se amesquinhar o conceito de pessoa com deficiência, mesmo por meio da definição de seus diferentes graus.

Aguardemos o Regulamento advindo do Poder Executivo, destacando que a Lei Complementar n. 142/2013 dispõe que a avaliação dos graus de deficiência será médica e funcional, nos termos desse Regulamento (art. 4º), e antecipa o que é de praxe na área previdenciária: perícia do próprio INSS atestará o grau de deficiência (art. 5º).

Ademais, essa não é a única grande celeuma acerca do novel diploma. Ele próprio traz em seu bojo questões como a do segurado que ingressa no RGPS sem deficiência, contribuiu nessa condição por alguns anos e, posteriormente, se torna uma pessoa com deficiência (deficiência superveniente ao ingresso no RGPS). Traz ainda, a questão do segurado com deficiência cujo grau sofre variação no decorrer do tempo.

Daí, perguntamos: como equacionar essas situações de modo a obedecer ao primado constitucional da isonomia?

O próprio novel diploma responde: por meio de “ajustamento proporcional” entre o período de tempo de contribuição (TC) como pessoa sem deficiência e o TC como pessoa com deficiência, observado o grau correspondente (art. 7º).

Peguemos o seguinte caso hipotético: uma segurada mulher, após contribuir durante 20 (vinte) anos é acometida por uma deficiência moderada e trabalha por mais 04 (quatro) anos.

Paras as seguradas com deficiência moderada o tempo de contribuição necessário para jubilação é de 24 (vinte e quatro) anos, porém a segurada de nosso exemplo não poderá se aposentar com esse TC, sob pena de ofensa ao princípio da isonomia, uma vez que não era pessoa com deficiência durante todo o período contributivo.

Como corrigir isso? Visualizamos duas soluções possíveis:

Uma delas é a conversão do tempo contribuído como deficiente – já denominado por alguns de TC qualificado – em TC comum, com o objetivo de se cumprir a exigência do TC necessário para a jubilação das seguradas ao RGPS que é de 30 (trinta) anos.

O fator de conversão (FC) resultará da divisão do TC comum pelo TC qualificado, ou seja, 30/24, cujo resultado é 1,25. Assim, no nosso exemplo o FC será 1,25.

A seguir, multiplicamos o TC qualificado de 04 (quatro) anos pelo FC 1,25 (TC qualificado x FC), ou seja, 04 x 1,25, cujo resultado é 05. Portanto, os 04 (quatro) anos de TC qualificado valerão como 05 (cinco) anos de TC comum, os quais somados aos 20 (vinte) anteriores à deficiência resultarão no total de 25 (vinte e cinco) anos de TC, de modo que restarão ainda 05 anos a contribuir para que a nossa segurada complete os 30 (trinta) anos de TC e possa se aposentar.

Essa é a solução proposta pelos operadores do Direito até então com a maior aceitação. Todavia, percebemos que há um pequeno equívoco que pode gerar um ônus maior que o necessário para os segurados.

Tratando-se de deficiência moderada superveniente, no nosso exemplo, após 20 (vinte) anos de TC comum, cremos que a melhor forma de verificar qual será o TC necessário para a jubilação mediante a conversão do TC qualificado em comum é simular as conversões até que se atinjam os 30 (trinta) anos de TC comum.

Explicamos: a nossa segurada contribuiu por 20 (vinte) anos e agora é pessoa com deficiência moderada, logo o FC corresponde a 1,25. Desse modo, é possível que simulemos conversões até encontrar um resultado que equivalha a 10 (dez), pois como ela já contribui por 20 (vinte), encontrando-se o número de anos que convertidos correspondam a 10 (dez), estará completo o TC de 30 (anos). Esse número é 08 (oito). Isso significa que a partir da deficiência moderada superveniente a nossa segurada precisará contribuir por mais 08 (oito) anos, pois esses convertidos em TC comum equivalerão a 10 (dez).

Percebamos que consoante à primeira simulação a nossa segurada precisaria contribuir por mais 09 (nove) anos (4 + 5) e não por 08 (oito), conforme vimos acima, o que implica relevante diferença de 01 (um) ano.

A outra solução é a conversão do TC comum em TC qualificado, a fim de se cumprir o TC necessário para a aposentadoria das seguradas com deficiência moderada que é de 24 (vinte e quatro) anos.

Nesse caso, o FC resultará da divisão do TC qualificado (24) pelo TC comum (30), cujo resultado é 0,8.

Como a nossa segurada contribuiu por 20 (vinte) anos, da conversão (20 x 0,8) resultarão 16 (dezesseis) anos de TC qualificado. Portanto, para que ela atinja os 24 (vinte e quatro) anos de TC qualificado necessários, precisará contribuir por mais 08 (oito) anos.

No geral, as opiniões são favoráveis à adoção desse segundo critério. Contudo, precisamos lembrar que desde 28 de abril de 1995 a legislação previdenciária não admite mais a conversão de TC comum em especial, segundo orientação jurisprudencial e costumes administrativos autárquicos.

Será que essa consagrada linha de entendimento poderá impedir essa segunda solução? Isso não feriria os princípios constitucionais da dignidade da pessoa humana, da isonomia, dentre tantos outros valores constitucionais como o valor social do trabalho, por exemplo?

Apenas para dar início às reflexões, colocamos que os segurados expostos a agentes nocivos podem optar por exercer ou não determinada atividade. Já as pessoas com deficiência, não! As pessoas com deficiência diuturnamente são obrigadas a lidar com e superar as limitações que lhes são impostas, tanto as físicas, como as mentais, as intelectuais ou as sensoriais, mas, principalmente, as barreiras impostas pela sociedade, físicas (acessibilidade) e morais (preconceito).

O que se quer dizer é que o Direito Previdenciário é um típico Direito Social e, como tal, deve especial guarida àqueles que exercem atividade laboral, conquistam por si mesmos fonte digna de subsistência – ou, ao menos, buscam-na por meio do trabalho – e contribuem para a ordem e o progresso nacional, mesmo com deficiência.

Em suma, cremos que a hermenêutica adequada será sim aquela que corresponder ao melhor critério para as pessoas com deficiência, basicamente pelos motivos acima, bem como pelo fato de que, juridicamente, a própria Constituição Federal dispõe que para elas os requisitos e critérios serão diferenciados, evidentemente no sentido de “o mais benéfico possível”.

Na aposentadoria por idade das pessoas com deficiência (B 41) o legislador apenas reduziu em 05 (cinco) anos a idade necessária para tanto. Assim, segurados com deficiência poderão se aposentar com 60 (anos) de idade ao invés de 65 (sessenta e cinco) exigidos para os sem deficiência. Já as seguradas com deficiência poderão se aposentar com 55 (cinquenta e cinco) anos de idade e não com 60 (sessenta) necessários para as sem deficiência. Absurdamente, o fez sem distinguir entre os graus de deficiência. Repetimos: “independentemente do grau de deficiência” (Lei Complementar n. 142/2013, artigo 3º, inciso IV). Mantendo a mesma linha de incoerência, o legislador estabeleceu como carência para essa modalidade de jubilação das pessoas com deficiência a mesmas das sem deficiência: 15 (quinze) anos de TC (Lei Complementar n. 142/2013, artigo 3º, inciso IV). Aliás, tecnicamente, 180 (cento e oitenta) contribuições mensais diferem de 15 (quinze) anos de TC, o que preferimos não aprofundar momentaneamente.

Outro ponto relevante diz respeito ao fator previdenciário (FP). Aparentemente, o legislador foi “amigo” dos segurados com deficiência ao estabelecer que o FP apenas incida caso resulte em elevação da renda mensal (Lei Complementar n. 142/2013, artigo 9º, inciso I).

Lembramos rapidamente que, historicamente, o FP é um mecanismo legal de redução do valor da renda mensal dos benefícios dos segurados ao RGPS, uma vez que o Governo falhou na tentativa de implantar nesse regime de previdência, via Emenda Constitucional, a cumulação dos requisitos de idade e TC para a jubilação.

A fórmula do FP leva em conta a idade do segurado, o TC e a expectativa de sobrevida, a qual, quanto maior, reduzirá mais a renda mensal. Além disso, salientamos que essa fórmula foi concebida para as aposentadorias em 35 (trinta e cinco) anos de contribuição, razão pela qual a Lei prevê, por exemplo, que serão acrescidos ao TC da segurada mulher, para efeito de aplicação do FP, o valor de 05 (cinco) anos, haja vista que ela precisa somente de 30 (trinta).

Ocorre que a Lei Complementar n. 142/2013 não previu expressamente esses “arredondamentos” e disso resultará que o FP nunca incidirá, pois sem eles o resultado sempre será prejudicial ao segurado com deficiência.

A única forma de sanar essa lacuna imperdoável é por meio de acréscimo. Exemplificamos. Se um segurado com deficiência grave do sexo masculino depende de 25 (vinte e cinco) anos de contribuição para a jubilação, na fórmula do FP ao seu TC devem ser acrescidos mais 10 (dez), pois 25 + 10 = 35 (não podemos nos olvidar de que a fórmula do FP contempla aposentadorias em 35 anos de contribuição).

Caso contrário, essa previsão já nascerá inefetiva.

Pois bem. Louvável a atitude do legislador em editar a Lei Complementar em comento, máxime depois de quase 08 (oito) anos de tramitação. Todavia, diante dessa pequena gama de situações que trouxemos à tona, uma questão emerge inexoravelmente: A Lei Complementar n. 142/2013 será a fonte de regulamentação das aposentadorias das pessoas com deficiência ou, ao invés disso, será fonte inesgotável de questionamentos?

 

3. Conclusão.

Em se tratando de norma integrante de um conjunto de medidas tendentes a garantir às pessoas com deficiência o pleno gozo dos direitos fundamentais individuais e sociais garantidos às pessoas sem deficiência, sua aplicação e análise jamais pode se dar apenas em tese; há que se considerar a realidade vivenciada pelos profissionais com deficiência e o obstáculos que enfrentam até alcançarem a aposentadoria.

Nossa sociedade não está pronta para receber as pessoas com deficiência, seja pela falta de acessibilidade ou mesmo pelo preconceito que insiste em permear as relações pessoais.

Na grande maioria dos casos, para ocupar um posto no mercado de trabalho, a pessoa com deficiência precisa superar o déficit educacional (61,1% das pessoas com deficiência maiores de 15 anos de idade não possuem nenhuma instrução ou têm apenas o ensino fundamental incompleto), precisa se dispor a receber uma baixa remuneração (46,4% dos que possuem alguma ocupação ganham até um salário mínimo ou não são remuneradas) e precisa enfrentar limitações ambientais como o difícil acesso ao transporte público e a ambientes empresariais não adaptados (ou não suficientemente adaptados).

Apenas se transpuser todos estes óbices, o profissional com deficiência poderá se beneficiar dos critérios especiais previstos na LC 142/13. Ainda assim, sua limitação física, sensorial ou psíquica será graduada e, a depender do caso, não haverá grande distinção entre os requisitos da concessão de aposentadoria se comparados com aqueles exigidos das pessoas sem deficiência.

Por estas razões, não são poucos os ativistas em prol das pessoas com deficiência que, apesar de admitirem a importância da Lei Complementar n. 142/2013, entendem que antes de sua edição seria necessário discuti-la melhor com a sociedade. Alegam fundamentadamente que alguns pontos deveriam ser mais bem esclarecidos, ou até mesmo amadurecidos, antes da edição do novel diploma.

Questões como a gradação da deficiência para fins de enquadramento às novas regras de aposentadoria e os critérios para a contagem do tempo de contribuição (bem como sua conversão) serão, decerto, objeto de intenso debate jurídico.

Hoje, para muitos, o cenário é de incerteza e de insegurança, mesmo com a edição da norma citada. Num primeiro momento, a Lei Complementar n. 142/2013 desperta, no mínimo, inquietação. Em nós, operadores do Direito, antes da tese, da antítese e da síntese, a indagação!

 



[1] A ONU e as pessoas com deficiência. Disponível em: http://www.onu.org.br/a-onu-em-acao/a-onu-e-as-pessoas-com-deficiencia/. Acesso em 27/06/2013.

[2] Ibdem.

[3] Disponível em http://www.un.org

[4] Disponível em http://www.un.org/disabilities/default.asp?id=18

[5] Mercado de trabalho: veja a realidade para deficientes. Disponível em: http://www.administradores.com.br/noticias/administracao-e-negocios/mercado-de-trabalho-veja-a-realidade-para-deficientes/12777/. Acesso em 26/06/2013.

 

4. REFERÂNCIAS

BARCELLOS, Ana Paula. A eficácia jurídica dos princípios constitucionais: o princípio da dignidade da pessoa humana. Rio de Janeiro: Renovar, 2002.

CASTRO, Carlos Alberto Pereira de e LAZZARI, João Batista. Manual de Direito Previdenciário. 13. ed. São Paulo: Conceito editorial, 2011.

IBRAHIM, Fábio Zambitte. Curso de direito previdenciário. 11. ed. Rio de Janeiro: Impetus, 2008.

MARTINS, Sérgio Pinto. Direito da seguridade social. 24. ed. São Paulo: Atlas, 2007.

NUNES, Luiz Antonio Rizzatto. Princípio constitucional da dignidade da pessoa humana: doutrina e jurisprudência. São Paulo: Saraiva, 2002.